domingo, 6 de novembro de 2016

Curiosidade - Tomás Antônio Gonzaga

Curiosidade: como aponta o crítico Alfredo Bosi em seu História Concisa da Literatura Brasileira (São Paulo: Cultrix, 2006), há uma mudança na cor dos cabelos de Marília, que ora são negros, ora dourados, como se pode observar nos trechos a seguir:
Os seus compridos cabelos,
que sobre as costas odeiam,
são que os de Apolo mais belos,
mas de loura cor não são.
Têm a cor da negra noite;
e com o branco do rosto
fazem, Marília, um composto
da mais formosa união.
Em outra passagem, observa-se:
Os teus olhos espelham a luz divina,
a quem a luz do sol em vão se atreve;
papoila ou rosa delicada e fina
te cobre as faces, que são da cor da neve.
Os teus cabelos sao uns fios d'ouro;
teu lindo corpo bálsamos vapora.
Essa oscilação, segundo o crítico, demonstraria o compromisso árcade entre o real e os padrões de beleza do lirismo inspirado no poeta clássico Petrarca. Outra oscilação presente nos poemas é entre o pastor bucólico e o intelectual da cidade.
Percebe-se, no entanto, uma mudança considerável no discurso do poeta, coincidindo com a época em que o autor esteve preso e passa a refletir sobre as angústias do aprisionamento, a justiça e o destino dos homens.
Cabe ressaltar, no entanto, que, embora o conjunto de liras seja dedicado à amada Marília, em momento algum temos a voz da personagem idealizada. É apenas Dirceu quem discorre acerca dos seus sentimentos. Segundo alguns críticos literários, esse fato é um reflexo da sociedade patriarcal em que Gonzaga vivia, não permitindo que suas personagens pudessem expressar suas vozes.
Por fim, Tomás Antônio Gonzaga também ficou conhecido por suas Cartas Chilenas, compostas por 13 poemas satíricos escritos antes da Inconfidência Mineira. Novamente, Gonzaga cria personagens e pseudônimos: aqui, Critilo assina as cartas e as envia para Doroteu. O conteúdo das "cartas" são críticas ao suposto governador do Chile (onde vive Critilo) Fanfarrão Minésio, uma referência ao governador de Minas Gerais Luís da Cunha Meneses. Veja um exemplo:
Amigo Doroteu, prezado amigo,
Abre os olhos, boceja, estende os braços
E limpa, das pestanas carregadas,
O pegajoso humor, que o sono ajunta.
Critilo, o teu Critilo é quem te chama;
Ergue a cabeça da engomada fronha
Acorda, se ouvir queres coisas raras.
(...)
Ah! pobre Chile, que desgraça esperas!
Quanto melhor te fora se sentisses
As pragas, que no Egito se choraram,
Do que veres que sobe ao teu governo
Carrancudo casquilho, a quem rodeiam
Os néscios, os marotos e os peraltas!
Seguido, pois, dos grandes entra o chefe
No nosso Santiago junto à noite.
A casa me recolho e cheio destas
Tristíssimas imagens, no discurso,
Mil coisas feias, sem querer, revolvo.
Por ver se a dor divirto, vou sentar-me
Na janela da sala e ao ar levanto
Os olhos já molhados. Céus, que vejo!
Não vejo estrelas que, serenas, brilhem,
Nem vejo a lua que prateia os mares:
Vejo um grande cometa, a quem os doutos
Caudato apelidaram. Este cobre
A terra toda co’ disforme rabo.

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